fonte: Folha de SP
por Armínio Fraga, presidente dos conselhos do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), ex-presidente do Banco Central; e Rudi Rocha, professor da FGV Eaesp e diretor de pesquisa do Ieps
O Banco Central introduziu recentemente o open banking, um sistema aberto pelo qual correntistas podem compartilhar suas informações com diferentes instituições financeiras. À luz dessa experiência, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tem defendido a criação de um “open health” na saúde, com dois pilares: um repositório de dados assistenciais e de saúde de todos os brasileiros, coletados a partir de um prontuário eletrônico; e um “cadastro positivo da saúde”, com dados financeiros sobre os beneficiários de planos. Em tese, este segundo pilar permitiria mais competição entre seguradoras e melhores condições contratuais para beneficiários. Não é bem assim.
A criação de um prontuário eletrônico único, centralizando todas as informações de saúde, e de todos os brasileiros, pode de fato revolucionar esse setor no Brasil. Seguramente haveria ganhos de eficiência para o sistema de saúde e de bem-estar social. No entanto, essas informações são extremamente sensíveis e não podem cair em mãos não autorizadas —bancos, operadoras de saúde e recrutadores de recursos humanos. Causa preocupação, portanto, o fato de o ministro da Saúde ter sugerido, na primeira versão de sua proposta, divulgada em janeiro, que poderia haver compartilhamento de dados dos pacientes, inclusive assistenciais, com as operadoras de saúde. Isso não é admissível. Essa modulação do discurso revela uma percepção inicial equivocada e abala a reputação da proposta logo na largada.
O segundo pilar também é problemático. Em primeiro lugar, diferentemente de uma carteira de produtos financeiros, com sua imensa variedade e cujas condições oscilam diariamente ao sabor da conjuntura e dos humores do mercado, espera-se que contratos de planos de saúde sejam bem menos fragmentados e mais estáveis. Essa estabilidade resulta em regras mais claras para o beneficiário e, muito provavelmente, continuidade do cuidado na mesma rede de profissionais e estabelecimentos de saúde. Além disso, já existe uma política de portabilidade.
Em segundo lugar, ficar doente é uma situação bem diferente de não pagar um empréstimo. Como vimos na pandemia, quando falta saúde pode faltar também dinheiro no bolso. Muitas vezes pode faltar saúde não por causa de uma decisão errada e consciente, mas por fatores fora de controle —como a maioria das doenças e dos acidentes. Perde-se saúde também ao envelhecer. Um cadastro positivo que revelasse bons pagadores de planos de saúde seria, portanto, bastante perverso. Além disso, a inadimplência dos planos tem se mantido relativamente estável e baixa. Portanto, esse tampouco parece ser um problema estrutural do setor.
Em terceiro lugar, a regulação da saúde suplementar cabe à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que é independente e deve zelar pela concorrência e pela qualidade no mercado de planos. Assim como no caso da independência de bancos centrais, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e de outras agências reguladoras, isso induz que decisões sejam tomadas de forma técnica.
Não existem estudos por trás do “open health” e não parece claro se haverá benefícios que justifiquem o custo da intervenção. O setor da saúde é complexo e envolve interesses privados em um mercado que deve ser muito bem regulado, independentemente do ciclo político.
O SUS enfrenta inúmeras dificuldades. O Ministro da Saúde faria bem em dedicar a ele a sua atenção.